quarta-feira, 13 de julho de 2016

Sobre sentimentos

ou seria sobre a fome?


"Tem alguns detalhes desse quadro que eu nunca tinha percebido, que nem essas janelas", comentou minha mãe.

"Eu adoro olhar janelas de casas em quadros
. Eu sempre imagino que dê para ver alguém comendo lá dentro das janelas", respondi.

Como eu já estava no clima reflexivo, me indaguei por que eu sempre me encanto com figuras humanas fazendo refeições, mesmo que essas só existam na minha imaginação. De fato, imaginar uma família, ou mesmo apenas um indivíduo comendo em suas casas, em cafés me faz acalentar meu coração; me transmite uma sensação de conforto, de carinho; um aconchego cotidiano. Me fez pensar como me parece romântico, talvez até transcedental, sentar-se a uma mesa para a agradável e necessária ação de comer. Que bom que existem esses momentos até hoje!

Até hoje? Ora, não creio que existirá um momento futuro onde não haja refeições, não? Isso pois precisamos comer, e mesmo que em algum tempo futuro tenhamos que reduzir nossos prazeres gustativos por razões práticas, certamente ainda haverá um consenso que comer boas comidas é prazeroso, tentaremos conservá-lo.

Talvez seja tão acalentador a ideia de uma refeição confortável exatamente por causa do consenso que existe. Ainda não conheço alma que questione o prazer de comer, mesmo que tenhamos gostos, necessidades e prioridades diferente em relação a comida. Essa certeza de que se pode ser alegre, que se pode relaxar, de que não será julgado por esse prazer de comer torna o ato ainda mais confortável. O que pode ser mais doce do que dividir uma necessidade e um acalanto com toda a humanidade, indiferente dos tempos e dos lugares? É uma grande comunhão contínua da espécie.

Continuei refletindo sobre isso. Será que há outra atividade, sentimento ou sensação igualmente compreendido por todos nós? Se comer parece tão romântico, não seria de se estranhar que também o amor romântico também o fosse. Entretanto existem sim aqueles que se opõem à livre circulação desse sentimento -tanto dentro deles mesmo quanto ao redor (eu mesma já fui uma que tentei negar isso, mas em uma idade que talvez não deva ser lavada a serio).

Há ainda o sentimento de pátria, de família, que, por terem sido exageradamente glorificados, hoje são evitados por algumas pessoas. Paixões diversas, como paixões por música, por artes, por filosofia são tidas como heresia por cristãos que pregam que paixões sejam desvios do caminho de Deus. Em suma, existem juízos de valores sobre o que podemos (ou não podemos) sentir. Naturalmente, isso já não é novidade, mas eu gostaria de frisar a falta de grandes paixões, de grandes entregas, de grandes rituais.

Há muitas gerações atrás, a ideia do Romantismo de se entregar por alguma paixão foi considerada abominável. Existe sempre alguém a desprezar certo sentimento, certa conduta. E essas críticas são totalmente dignas e necessárias! Felizmente elas existem e mantém uma evolução de ideias. Contudo, críticas geralmente não são verdades absolutas e mesmo se fossem, eu pergunto: por que resistimos tanto em nos entregar a um sentimento, sensação? Por que não podemos lidar com o amor, com o orgulho, com um devaneio, com uma aventura, com uma música como lidamos com as nossas refeições - onde encontramos a paz, o conforto e a comunhão da nossa espécie.

Eu acredito que ainda haja muitas pessoas que estão empenhadas em transformar uma experiência, uma sensação em algo transcendental, indiferente do que isso seja, se trará dores ou se será alvo de sacarsmo. Creio que não haja companhia mais apropriada para um momento de silêncio do que os encantos de uma paixão. Mas quiçá o momento em que passamos como sociedade não seja o mais apropriado para um sentimento tão... tão impagável!


A verdade é que, como escritora desse texto, eu procuro uma justificativa para dar vazão às paixões que estão cerradas no meu coração, que têem medo de sair e serem desrespeitadas por olhos alheios. Acho que gostaria muito que todos se desmanchassem por suas sensações como estou prestes a fazer. Gostaria que houvesse mais comunhões dignas, tais quais as refeições que tanto prazamos em fazer.

...

"não estaria eu sendo ingênua e desmerecendo o equilíbrio e cedendo espaço ao fanatismo?"

Para isso, eu tenho a seguinte convicção: acredito que o equilíbrio seja dinâmico. Estar em um momento fanático faz parte de estar em um momento vazio. Enquanto mudamos estamos balanceados.

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