sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A Fronteira Final - Hipocrisia

e o insurreição da Indiferença


Como funciona o debate entre duas pessoas com idéias antagônicas? Teoricamente é dado um argumento por A, rebatido por um argumento de B, rebatido por um argumento de A, rebatido por um de B... Um dos finais possíveis desse ping-pong é quando alguém é acusado de hipócrita. Segundo esse "argumento" (falácia do Tu quoque), não se pode defender uma ideia sem praticá-la. Seja quem for que foi chamado de hipócrita, para tentar manter-se na discussão, pode forjar uma justificativa (provavelmente enorme) sobre o motivo de não ser em hipotese alguma hipócrita. É o que normalmente acontece.

Mas por que não admitimos nossa possível hipocresia? Por que não podemos defender uma situação hipotética sem termos que a vivenciar rigorosamente?

Quais são os perigos de ser hipócrita?

O que vem antes, a injúria da hipocresia ou o argumento defendido? Se o argumento defendido veio depois do medo da hipocresia, qual é a validade dele?



Certa vez eu li um texto (não lembro qual nem onde) que dizia que nossa consciência é extremamente moralista. Não fazemos nem dizemos nada que nos deixe culpados à luz da nossa própria consciêcia. Porém, cada pessoa possui uma consciência com moral e valores distintos, por isso algo que me deixe culpada pode não ser algo que deixe outros culpados. Enquanto eu escrevo, me pergunto qual é o sentimento de ser hipócrita e não me parece ser outro que a culpa. Foi-se contra as crenças, logo se é hipócrita, sente-se culpado. Sob o aspecto de culpa, eu entendo perfeitamente que se evite ser hipócrita -niguém quer se sentir culpado. 

Por isso mesmo, para evitar a culpa e a taxação de hipócrita, tem-se duas opções: muda-se ou as ações ou a visão e argumentos até que não se tenha mais culpa a se sentir. Um exemplo muito comum é defender uma visão de esquerda sem ser pobre. Enquanto uns chamarão esses de "esquerda caviar" e alegarão hipocresia, quem é acusado se defende ou adotando um estilo de vida mais humilde ou encontrando um entre vários argumentos que o defendam ("ser de esquerda não é voto de pobreza", "foram os russos que criam essa tecnologia daqui" ou qualquer outra coisa).

Entretanto eu defendo que exista outra forma de se colocar diante disso: admitindo a hipocresia e evitando a culpa. Mais ou menos nos ares de "sou hipócrita mesmo e foda-se, ninguém tem nada a ver com isso". Admitir uma falha de caráter integralmente te livra da culpa de tentar escondê-la de si mesmo e dos outros, até que a culpa desapareça. Nesse ponto em diante, se é livre para argumentar com mais lógica do que com o medo de ser pego em flagrante da hipocresia. Reduz-se um sistema de pensmento sem as justificativas necessárias da defesa pessoal. Enfim, a verdadeira liberdade de argumentação. Reservo me, porém, ao direito de avisar os riscos dessa abordagem.

O medo da hipocresia é a última fronteira antes de nos assumirmos qualquer coisa que tenhamos vergonha. Agora, levante a mão quem nunca evitou ser tido como mau caráter, como pessoa ruim, como fdp, como afilhado do caipiroto, como arrogantizinho de merda ou qualquer outro exemplo carinhoso. Não queremos ser assim, costumamos nos entender como pessoas dignas de compreensão e apreço, e se possível queremos estar acima do mal para criticá-lo. Caso não estejamos realmente certos disso, apenas atacamos quem ousar questionar nossa moral imaculada, nem que digamos que são chatos.

Uma vez dito isso "ok, sou um hipocritinha arrogante..." estar-se-á livre para afirmar "bem, então eu sou mesmo uma pessoal cheia de inveja, insegurança e agressões e de quem eu mesmo não teria misericórdia e compreensão" e por fim "tá bem, podem me criticar, de agora em diante eu sou indiferente aos questionamentos da minha moral!". A frieza da liberdade, para que se preocupar se não se é aceito quando já se sabe que não o é?

Quando se tem algum apreço à vida alheia, eu admito que esse tipo de pensamento é apenas um conforto extra. Ser hipócrita e questionável é apenas um efeito colateral do egoísmo espontâneo do ser humano, e muitas vezes preferível à ao argumento defendido. Contudo, creio que eu me preocupe com qualquer um desprovido de empatia e que tenha essa liberdade. O que seria do mundo cheio de pessoas conscientemente más e livre de culpa? O mundo onde o ódio injustificado não teria advogados para defendê-los com um argumento diferente do "quem odeia, odeia pois o quer", sem envolver religião, cor, nacionalidade e etc. com isso. "Mas não odiamos todos?" questiona o advogado, "não deveríamo estar todos presos, tendo em vista que somos todos em algum nível cruéis?" e se pensarmos bem, se a prisão é o lar dos criminosos, talvez seja o caso do mundo inteiro ser a maior prisão que conhecemos.